Ela chegou para revolucionar

A tecnologia tem tornado processos mais eficientes, reduzido custos e transformado os modelos de negócio das indústrias. Em conversa com o Canal da Peça, o diretor executivo da Accenture na América Latina, Constantino Seixas, avalia os efeitos da digitalização no cenário atual. E no futuro

Você já ouviu o termo Indústria 4.0? De origem alemã, o conceito, também conhecido como Quarta Revolução Industrial, engloba tecnologias capazes de transformar a manufatura e modelos de negócio nas indústrias. A consultoria Accenture, uma das maiores autoridades no tema, refere-se ao conceito como Indústria X.O, o qual foi retratado recentemente em um estudo que aborda o uso de tecnologias digitais por empresas que visam oferecer novas experiências aos seus clientes.

A análise constatou que companhias que combinam tecnologias, entre elas de comunicação, big data e realidade virtual, podem economizar até US$ 85 mil, em média, por empregado; enquanto as indústrias que mesclam robôs, impressão 3D e máquinas automatizadas podem lucrar, em média, até US$ 6 bilhões a mais por ano.

Para a pesquisa, foram contatados 931 executivos de grandes empresas, de 12 indústrias diferentes, em países como Brasil, Austrália, Canadá, China e Japão. Constantino Seixas, diretor executivo da Accenture na América Latina, afirma que o setor automotivo é o que mais sofre impactos com a revolução digital e está sob forte pressão disruptiva. “Adotar a digitalização não é uma opção: todos os players têm que se alinhar ou serão superados por aqueles que já aderiram à tecnologia”, enfatiza.

Segundo ele, a produtividade e as novas experiências têm acelerado a imersão. “Existem duas vertentes nessa transformação: o aumento da eficiência dos processos de produção e a busca por uma experiência mais personalizada para os clientes”, diz. “Embora essa indústria esteja hoje muito avançada em assuntos como robótica, ainda apresenta gaps em assuntos relacionados ao gerenciamento de produção. Muitas fábricas ainda não possuem sistemas de gestão básicos, como PLM e MES”, analisa.

Na entrevista a seguir, Constantino Seixas comenta sobre carros autônomos, Indústria 4.0 e setor de autopeças.

Canal da Peça: O que é exatamente Indústria 4.0?

Constantino Seixas: O termo indústria 4.0 foi criado na Alemanha para representar toda a onda de mudanças trazidas pela tecnologia digital e que caracteriza a quarta revolução industrial. Os sistemas cyber-físicos unem o mundo físico ao mundo digital, que gera um modelo de simulação do mundo físico e consegue controlá-lo. Hoje, podemos acrescentar a isso os sistemas biológicos que permitem a uma pessoa comandar uma prótese pelo pensamento.

Canal da Peça: Por que a Accenture refere-se ao termo como Indústria X.O?

Constantino Seixas: O termo indústria X.O foi criado pela Accenture para estender o conceito da Indústria 4.0, muito voltado ao aumento da eficiência dos processos industriais, acrescentando um novo hemisfério que tem como foco a criação de novos serviços e experiências para o usuário. Um bom exemplo seria a glamorização do café trazido pela Nespresso, que alia a praticidade a uma sofisticação na escolha de blends de café, ou o magic band da Disney, que é uma pulseira que permite a um hóspede de um hotel do espaço obter todos os serviços de um parque sem utilizar dinheiro. Isso muda a percepção de cada hóspede e cria muitas oportunidades de entretenimento interativo.

+ Leia também: O ano da digitalização

Canal da Peça: A ‘transformação digital’ é um tema muito recorrente nas companhias e indústrias brasileiras. No entanto, um estudo da Accenture revela que apenas 13% das empresas estão explorando o digital para uma maior eficiência e um novo crescimento. Por que resistir à tecnologia?

Constantino Seixas: Primeiro por não compreenderem que estão surfando algo novo, queiram ou não. Muitas empresas só percebem a mudança quando é tarde demais. Outro dia fiquei sabendo que uma loja de brinquedos nos Estados Unidos havia fechado. O motivo? Foi superada pelas lojas de vendas online que oferecem mais variedade, menores preços e a comodidade de receber a compra sem sair de casa em 24h ou 48h. Já na indústria, a robotização é fundamental para realizar as atividades repetitivas. Essa indústria abraçou essa transformação e hoje seria impossível soldar ou pintar um carro de outra forma. Não seria competitivo. Por outro lado, essa tecnologia só agora está chegando na mineração ou na indústria de bens de consumo. Uma das maiores fontes de inovação é a indústria aeroespacial e algumas empresas de petróleo foram beber diretamente da fonte e compram consultoria de empresas desse segmento para acelerar seu crescimento. Pensar que só 13% das empresa possuem um roadmap digital definido é assustador. Quem não tem um roadmap aprovado está gastando dinheiro de forma não orquestrada.

Canal da Peça: O setor automotivo, no entanto, já vive a era digital, com carros cada vez mais modernos e tecnológicos. Para o consumidor moderno, a tecnologia está acima de outras questões, como o design?

Constantino Seixas: O novo usuário busca uma série de itens, além dos tradicionais design e conforto, entre eles para segurança, como air bags, câmera para estacionamento de ré e detector de obstáculo na lateral. Ele busca também baixo consumo de combustível, baixa geração de poluentes, um painel com todos os itens julgados indispensáveis, rádio, GPS de última geração e comunicação de voz. A sincronização com o celular é um item obrigatório e essencial para receber chamadas com segurança. Executivos, por exemplo, têm o automóvel como uma extensão de seu escritório e continuam despachando normalmente, aproveitando atrasos em engarrafamentos. Espero que desfrutemos cada vez mais da comodidade para essa função, até que finalmente os carros autônomos se tornem uma realidade.

+ Uma ferramenta indispensável

Canal da Peça: Além do produto em si, quais outros serviços são importantes para o consumidor?

Constantino Seixas: O consumidor moderno espera conseguir o máximo de serviços sem ter que se deslocar a uma concessionária. Hoje, não é mais possível pensar em agendamento de horário, deslocamento até uma concessionária e perder algumas horas apenas para atualizar os mapas do seu GPS. Usuários não tendem mais a aceitar perder uma manhã para isso ou para atualizar um firmware de um item do seu carro, quando se consegue atualizar qualquer aplicativo do smartphone automaticamente em poucos segundos. O carro tem que estar conectado, seja de forma independente ou por meio do smartphone do proprietário. E nisso a indústria automobilística convencional está atrasada. Cada usuário, hoje, carrega consigo as expectativas daquilo que desfruta em casa, no escritório ou no smartphone. Carregamos conosco o padrão de qualidade dos melhores dispositivos inteligentes e conectados com os quais nos relacionamos. Eu espero melhores diagnósticos também. Quero que o próprio painel me avise que a pressão de um pneu está baixa, que o óleo precisa ser trocado ou que um fusível está queimado. Isso é muito básico em qualquer sistema digital hoje em dia.

Constantino Seixas, diretor executivo da Accenture na América Latina. Foto: divulgação
Constantino Seixas, diretor executivo da Accenture na América Latina. Foto: divulgação

Canal da Peça: Como será a compra de carros no futuro?

Constantino Seixas: O carro de passeio tende a ser compartilhado, o que é algo racional. Para que ser proprietário de um ativo que desvaloriza se sonhamos com um modelo novo a cada dois ou três anos? Pessoas muito ricas continuarão tendo carros com design sofisticado da mesma forma que continuarão a comprar joias e roupas de grifes. O meu carro de trabalho já é alugado e trocado a cada período de quatro anos. Se um carro viesse me buscar todas as manhãs para ir ao trabalho ou ao aeroporto, e me buscasse de volta à tarde, não seria ótimo? Todos pensamos que o carro tem que estar lá quando precisamos dele, mas quantas vezes isso ocorre? Com os carros autônomos, o compartilhamento de veículos será mais comum. Já os profissionais ligados à mobilidade, como taxistas e transportadores escolares, continuarão a comprar seus ativos dando muita importância à economia de combustível e ao baixo custo de manutenção.

Canal da Peça: Esse comportamento já é comum em outros países?

Constantino Seixas: Em Singapura, por exemplo, carros particulares são sobretaxados. Táxis, metrôs e outros transportes públicos são subsidiados. Como numa ilha, o número de carros tem que ser limitado, o governo impõe fortes restrições ao uso de carros particulares. Nos Estados Unidos, as pistas de maior velocidade podem ser usadas por carros carregando um número maior de passageiros em um convite ao compartilhamento. Isso no país símbolo da indústria automotiva, onde as opções de transporte público são poucas.

+ Saiba mais: A indústria se reinventa

Canal da Peça: Como será o setor de autopeças no futuro?

Constantino Seixas: Hoje, o carro tem um número enorme de componentes, o que irá diminuir com o carro elétrico. O usuário pessoa física tende a comprar itens mais simples e mais externos, como filtros de ar, de óleo, mangueiras, pneus, faróis etc. Outros itens dependem de especificação que um usuário comum, em geral, não ousa fazer. Ele prefere deixar o carro numa oficina. O mecânico da oficina compra diretamente através de um site ou por telefone. Nesse mercado, eu apostaria na venda B2B.

Canal da Peça: Acredita que, em breve, haverá soluções digitais que vão combater peças falsificadas, por exemplo?

Constantino Seixas: Sem dúvida. Blockchain é uma tecnologia que irá ajudar no rastreamento de peças da sua fabricação até chegar ao usuário final. A procedência de uma peça poderá ser checada contra falsificação ou roubo. Essa tecnologia já é utilizada para certificar diamantes e, em breve, vai alcançar medicamentos e itens visados por falsificadores, como perfumes, cigarros e bebidas. O MES também contribui para rastreabilidade dentro da cadeia de suprimentos.

Canal da Peça: Grandes indústrias de autopeças já estão usando tecnologia mais sofisticada na produção. Como o sr. enxerga o segmento daqui a cinco anos?

Constantino Seixas: Acho que o PLM que permite projetar partes e componentes e abreviar o ciclo de produção irá ser amplamente adotado. A impressão 3D será usada não apenas para gerar protótipos, mas para produzir componentes mais leves e com formas mais sofisticadas com rapidez, por uma fração do preço de uma peça usinada. Essa indústria será muito mais autônoma, com poucos empregados humanos.

Canal da Peça: Como a tecnologia vai ajudar o mecânico em um futuro breve?

Constantino Seixas: Já estamos usando AR/VR para orientar mecânicos no reparo de um veículo. Eles enxergam uma realidade complementar que se sobrepõe à imagem real. Isso facilita no treinamento de operadores de manutenção. Também é possível assessorar o operador através de um especialista remoto. Chamamos essa intervenção de over the shoulder coaching. Tudo isso já é realidade hoje. Para compra, o mecânico irá clicar com um leitor de QR code, ou código similar, em item de um veículo e fazer o pedido diretamente ao fornecedor, podendo verificar a disponibilidade do produto no estoque, comparando preços e condições de pagamento online. Não será necessário identificar o item em um catálogo ou numa figura de visão explodida do veículo. As peças serão transportadas por motos ou por enxames de drones de entrega.

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